A melhora repentina dos mercados internacionais e os sinais de pragmatismo econômico do novo governo levam o ex-secretário do Tesouro Nacional Carlos Kawall a encarar o mercado local com um otimismo cauteloso.
A reabertura econômica da China, os sinais de desinflação nos Estados Unidos e os surpreendentes dados econômicos europeus criam um cenário favorável para o mercado brasileiro no começo de 2023, diz Kawall, que concedeu entrevista à Mover na quinta-feira à tarde. O ex-secretário do Tesouro recentemente deixou a ASA Investimentos para fundar a Oriz Partners, empresa de consultoria patrimonial e de portfólio.
Apesar de notar que o novo governo deu sinais de pragmatismo e de condução econômica mais alinhada a uma ideia de “frente ampla”, ele ainda recomenda a seus clientes um posicionamento cauteloso. Um ponto preocupante é que a ala “puro sangue” – mais à esquerda no espectro político – do Partido dos Trabalhadores dominou as indicações aos ministérios do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Na visão dele, os ativos locais tiveram seu “pior momento” após as falas de elevado custo econômico de novos ministros do governo eleito. Kawall compara esses discursos às medidas adotadas pela ex-presidente Dilma Rousseff. Ele reconhece, por outro lado, esforços do presidente Lula em “acertar o discurso” com seus ministros.
“Não dá somente para nos basear em uma expectativa mais construtiva para os ativos locais em função do que está ocorrendo no mundo. Aqui, temos que fazer a nossa lição de casa. E isso ainda precisamos observar ao longo do tempo”, disse Kawall. Ele foi secretário do Tesouro Nacional entre abril e dezembro de 2006, no primeiro governo Lula.
Uma das suas preocupações é em relação ao alinhamento das políticas fiscal e monetária no Brasil, com o governo adotando uma postura anticíclica e expansionista em meio a um cenário de juro alto e desemprego baixo no país. “O Brasil já vem de um período de crescimento pós-pandemia muito vigoroso, desemprego em queda. Não é o momento, do ponto de vista cíclico, de haver expansão de gastos”, explica.
Justamente as sinalizações de expansionismo fiscal fizeram com que Kawall e a equipe da Oriz Partners revisassem a projeção de corte de juros pelo Banco Central do segundo para o quarto trimestre deste ano. As “sinalizações desencontradas” de membros do novo governo “descontrataram” corte na Selic antes da metade do ano. Ele entende que a cotação do dólar, ao se aproximar dos R$5,50 na primeira semana do ano, fez uma pressão importante para o governo moderar o discurso hostil ao mercado financeiro e à responsabilidade fiscal.
Kawall entende que se o Brasil souber surfar o ambiente global mais favorável, de enfraquecimento do dólar em relação a outras moedas, a divisa americana pode chegar ao patamar de R$4,80. Ele condiciona esse quadro ao equacionamento da questão fiscal doméstica.
Kawall não vê a estratégia de recomposição fiscal através do aumento de receitas como ideal, e defende enxugamentos de gastos públicos. Na quinta, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou medidas de ajuste fiscal majoritariamente pautadas na recomposição da carga tributária e na solução de litígios entre contribuintes e união.
Publicação original: https://site.tc.com.br/noticias/mercados/momento-de-aguardar-ex-secretario-do-tesouro-encara-mercado-local-com-otimismo-cauteloso
Matéria publicada em 16/01/2023